segunda-feira, 6 de junho de 2011

Série: Guitarristas Brasileiros - Nuno Mindelis

Conheci o trabalho de Nuno Mindelis por acaso, e as vezes o acaso pode ser um grande aliado em nossa tragetória músical. Certa vez procurava uma música do também incrível Frank Gambale na internet, e por acaso, não sei o motivo, junto do zip de arquivos MP3 de Frank estava uma faixa intitulada I Know What You Want. Diferente do Jazz "torto" de Gambale, essa faixa trazia um Blues com guitarras estaladas, um vocal mancante com um backing vocal feminino muito legal. Curti demais o aquele som e acabei deixando Frank Gambale de lado e voltando minhas atenções para descobrir quem era o dono daquele blues com um timbre e pegada que me fizeram lembrar um country americano.

Nuno Mindelis é um dos melhores guitarristas brasileiros na vertente blueseira da atualidade. Filho de polonesa com português, Nuno Mindelis nasceu em agosto de 1957, em Cabinda, Angola. Por motivo de exílio, seu pai devido a ditadura salazarista e mãe por ser judia, foram para África.
Nuno continuou a tradição de exílio da família com a guerra civil em Angola, que forçou todo mundo a começar tudo de novo. Foi para o Canadá e depois, aos 17 anos veio para o Brasil e junto com a família recomeçou sua vida do zero. "Chegamos ao Rio de Janeiro e fomos viver de favor, eu em um lugar, meu irmão em outro e meus pais em outro. Foi uma história dessas de cinema, só que na vida real. Nós perdemos tudo, cheguei aqui literalmente com a roupa do corpo, mas com algum patrimônio intelectual, o que foi fundamental para minha carreira". relembra Mindelis.

Confiram abaixo um entrevista muito legal com Nuno realizada pela reporter Marcela
Goldstein.

Marcela: Quando o blues entrou na sua vida?

Nuno: Dá impressão de ser uma coisa de nascença, porque não consigo situar exatamente da onde veio esse vírus. Em minhas primeiras lembranças, desde pequeno, com 4 ou 5 anos queria ser músico. Eu fazia som em qualquer coisa, caixinha de charuto, latinha de azeite era a caixa acústica, como morava no litoral, usa fios de pesca para fazer as cordas. Meus pais não tinham tantos recursos, e só aos 9 ganhei meu primeiro violão e aprendi tudo nele.

Marcela: Você aprendeu a tocar sozinho?

Nuno: Sim, sozinho. Ninguém tinha idéia do que eu estava querendo fazer, porque era o começo da eletrificação da guitarra, do "boom" de blues dos anos 60, que chegou ao Brasil 30 anos depois. Eu até queria estudar, mas só tinha professora de piano clássico. Não era isso que queria, eu ouvia Jazz Fusion, John Coltrain. Então eu acabei aprendendo tudo sozinho. Naquele período não havia televisão na África. Hoje o acesso a informação é muito mais fácil, como por exemplo as video-aulas. Eu não conseguia nem assistir o filme do Woodstock na TV, porque era proibido pela ditadura de Salazar . Hoje com uns trezentos reais você compra uma guitarra cem vezes melhor do que as que conseguíamos emprestado naquela época. Apesar de já tocar , lá pelos meus 20 anos fui estudar para entender teoricamente o que já fazia.

Mesmo não exercendo a advocacia, profissão por formação Mindelis acha que o curso superior foi muito importante para sua carreira. Pois exigia disciplina, acordar cedo, estudar, influenciando positivamente vários pontos de sua vida.
Nuno não chegou a trabalhar na área jurídica. Trabalhou durante 18 anos em uma empresa de aviação, época em que a música estava em segundo plano na sua vida. Perfeccionista, Nuno gosta de deixar tudo arrumado, organizado. Exigente consigo mesmo, se doa por inteiro para aquilo que está fazendo. "Eu mergulho 24 horas nos meu ideal", afirma o guitarrista.

Marcela: Hoje, você vive só de música?

Nuno: Mais adequadamente eu diria que sobrevivo de música. Há momentos em que como músico em um mês eu consegui mais do que seis meses em um emprego normal, mas há outros em que durante seis meses eu não consigo o que conseguiria em um mês de um emprego normal. Qualquer projeto de qualidade no Brasil, seja música, teatro, não é amparado por uma indústria sólida. Isso significa que qualquer projeto de qualidade é subemprego no Brasil. E isso vale para todo mundo, inclusive para o Chico Buarque. Ele só não tem ou se não tiver problemas financeiros é em função da idade e do que já conseguiu na época que havia uma indústria que sustentava projetos de qualidade. Ninguém hoje que quer trabalhar com qualidade está seguro do ponto de vista financeiro. Por isso eu digo sobreviver e não viver de música. É noventa e nove por cento correr atrás de viabilizar o projeto, atrás de patrocínio, gravadora para criar condições de um disco
bom de 45 minutos e um por cento de música, no meu caso.

Marcela: Você se sente totalmente realizado profissionalmente e pessoalmente?

Nuno: Sim. Mas, ainda faltam algumas coisas para eu terminar essa história. Não posso deixar de me sentir orgulhoso pelo que já aconteceu. Com todas essas turbulências financeiras eu consigo ser mais feliz assim do que se tivesse trabalhando com qualquer outra coisa. Eu poderia estar muito melhor abastecido financeiramente do que psicologicamente.

Marcela: Como se sente sendo eleito pela revista internacional Guitar Player Magazine, como um dos melhores guitarristas de blues da atualidade?

Nuno: Hoje eu minimizo um pouco a importância disso, embora as pessoas geralmente não concordem comigo. Na época eu não acreditei, porque eu não ia participar desse concurso, não é do meu estilo participar de concursos. Foi um agente americano que mandou um formulário para eu me inscrever. Me lembro até da Valéria, minha mulher falando para eu participar se não poderia parecer antipático, porque ele estava me ajudando e poderia até deixar de se interessar nos meus projetos. Daí eu aumentei a garagem da minha casa para fazer o estúdio, gravei eu próprio uma trilha de bateria, baixo e em cima disso fiz uma peça de guitarra única e mandei. Eu estava tão despreocupado que mandei o formulário com todos dados da música e não fiz cópia e quando a música ganhou eu não lembrava nem o nome. Mas ela foi feliz, foi inspirada, está até nesse último disco Blues on the Outside, na décima quinta faixa, dá para ver que a sonoridade é outra,
porque foi gravado no estúdio em casa.

Marcela: Existe uma comparação sua com o Eric Clapton?

Nuno: Porque nos anos 60 ele pixavam "Clapton is God!" e aqui no Brasil teve a pixação Mindelis is God e a Folha de São Paulo noticiou isso. Mas, I'm not God, God talves seja a minha música, eu não!

Marcela: Como você se sente em relação a fama?

Nuno: Você vai galgando algumas vitórias e depois não tem noção dessas coisas. Quando você vai conquistando as coisas, elas se tornam terrenas, saem do mito, do imaginário.
Ou então isso pode estar relacionado com o que se chama de espírito científico, de nunca achar que está bom. Como diz minha mulher eu vou morrer insatisfeito.

Marcela: O que você acha essencial para ser um bom músico?

Nuno: Acho que talento é absolutamente essencial, se não tiver talento tem que desistir. Recebo uma média de sessenta e-mails por semana de fãs, mães pedindo conselhos do que fazer, o que estudar para ser músico. Minha opinião é sempre a mesma, descubra se tem talento que o resto acontece naturalmente. Também sempre digo que o artista de verdade sua durante o show, mas é um cansaço psíquico.

Marcela: Quem tem influenciou em relação ao blues?

Nuno: Uma grande bofetada foi o B.B.King, quem não conheceu não sabe a importância que ele teve. Ele fez uma revolução infernal. Outros também me influenciaram, mas ele não é chamado de rei do blues a toa.

Marcela: O que você acha da música brasileira? O que gosta de ouvir?

Nuno: Acho que é a música mais rica do mundo. Não conheço francamente nada tão escancaradamente rico quanto a música brasileira e o jazz americano.
Eu adoro a Marisa Monte, gosto de algumas coisas da Ana Carolina, acho a Zélia Duncan uma super compositora. Gosto de Zé Ramalho, acho ele o Lou Reed nacional , também sou fã do Walter Franco, acho ele um Van Morisson nacional. Outro dia ouvi o Rappa e achei um "somzão"

Marcela: E os internacionais?

Nuno: Gosto de coisas que ninguém acredita. Gosto da Alanis Morissete, acho ela uma espécie de Janes Joplin. Gosto do Oasis, acho os meninos meio macrabos, mas a música é legal. Acho o Red Hot Chilli Peppers um bandasso. Sem contar Jimi Hendrix, Frank Zappa passando por Doors.




2 comentários:

  1. Olá!
    Encontrei o blog por acaso e amei aqui!
    Estou seguindo!
    Há alguns meses fiz uma série de guitarristas brasileiros também :)

    Tenha uma boa semana
    ;*
    Marina

    Venha falar de música com a gente!

    ResponderExcluir
  2. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir