Certa vez, em 1993, Michael Hedges – então já um músico totalmente consagrado - estava fazendo um concerto, quando num intervalo entre duas músicas, alguém da platéia gritou, pedindo que ele improvisasse um pouco. Ele parou por alguns momentos, pensativo, e depois respondeu: “Mas eu tenho tentado fazer exatamente isto por toda a minha vida!”. A platéia explodiu em aplausos, pois ele era indubitavelmente um dos mais inovadores – e “improvisadores” – guitarristas do mundo! No entanto, ele próprio se considerava – acima de tudo – um compositor que tocava guitarra e não um guitarrista que compunha canções. Ao longo dos anos, ele brincou de procurar definições para o seu trabalho. Em uma dessas brincadeiras, ele o chamou de “heavy mental”, num sutil escracho com a turma do heavy metal...
Seu mentor foi E.J. Ulrich. Conforme suas próprias palavras, ele ouvia Leo Kottke, Martin Carthy e John Marty; mas sua cabeça estava mais voltada para Stravinsky, Varese, Webern e um monte de outros compositores experimentais, como Morton Feldman. O guitarrista Will Ackerman declarou - algum tempo depois de tê-lo ouvido em Palo Alto – que Michael havia virado a sua cabeça, pois a sensação que ele tinha era a de estar vendo a guitarra ser novamente reinventada.
Depois de seu primeiro album em 1981 – Breakfast in the Field -, suas composições e performances explodiram em sofisticação. Inicialmente classificado como um músico New Age, em pouco tempo seu ecletismo já não cabia em nenhuma classificação. Principalmente a partir do seu folclórico trabalho chamado Watching My Life Go By.
Para tentar definir a profundidade de sua obra, o próprio Michael disse certa vez: “a música é alguma coisa como a comunicação entre as almas humanas. Tocar é mais do que uma experiência sensual; e é mais também do que uma experiência espiritual. A música vem da alma e vai para a alma. Minhas ligações com a vida e com a música são exatamente a mesma coisa. Quando estou tocando, eu estou falando de minha vida. Esta é a minha finalidade como músico”. Eleito pelas principais revistas do planeta como um dos 25 maiores guitarristas do mundo, seu album de 1994 – The Road to Return (O Caminho de Volta) – foi considerado como uma viagem interior e
uma visão além da alma.
Ele trabalhou também com quase todos os grandes nomes do Rock’n’Roll de seu tempo. Compôs, por exemplo, os arranjos de Tomorrow Never Knows dos Beatles e Sofa #1 de Frank Zappa. Assim como os Beatles tiveram a sua fase de influências do Extremo Oriente, ele também – com sua insaciável curiosidade sobre o Universo – tirava inspiração de tudo. Desde a Teoria dos Cinco Elementos chineses até a Segunda Lei da Termodinâmica. Estudando com o mestre Paulie Zink, ele explorou a profundidade da cultura oriental, mergulhando no Livro Tibetano dos Mortos; e foi profundamente influenciado por este trabalho. Numa entrevista da época, declarou: “estou me tornando mais reflexivo e pensando mais sobre a morte e o renascimento. Talvez seja por eu estar chegando na casa dos quarenta anos, que é uma época em que você começa a perceber que já está na metade da vida. Então eu encontrei o Livro Tibetano dos Mortos. Isto está sendo uma experiência muito positiva para mim e eu preciso dividi-la com as outras pessoas”.
O nosso espaço aqui é muito pequeno para falar o mínimo de Michael Hedges. Mas para que se tenha uma idéia dos mundos interiores pelos quais ele viajava, nós podemos pescar alguns indícios nos títulos e nas letras de suas músicas.
Observem: Face Yourself (encare você mesmo), Guardian’s Trust (Sentinelas de Confiança), Holiday, I Want You, I’m Coming Home (Tou Indo Prá Casa), India, Ready or Not (Pronto ou Não), Road to Return (O Caminho de Volta), Sister Soul, Watching My Life Go By (Assistindo Minha Vida Passar), Woman of the World (Mulher do Mundo), You Can Have Anything You Want (Você pode ter tudo aquilo que você quiser!).
Em Face Yourself, ele diz: “face yourself, now or never, face yourself, no one else will do, face your weakness, face your pest, let your scars show through, it’s now or never, don’t look back, just say you’re gone, gone away, drawn away...” (“Encare você mesmo, agora ou nunca, encare você mesmo, ninguém mais pode fazer isso por você, encare tua fraqueza, encare tua doença, deixe que tuas mazelas passem, é agora ou nunca, não olhe para trás, diga apenas que você está indo, vá, deixe tua vida fluir...”.
Não é bonito isso?! Mas a vida de Michael Hedges foi fluindo até que – no auge de sua carreira, no topo de sua criatividade e num dia de dezembro de 1997, época em que estava muito otimista com relação à sua vida pessoal -, ele sofreu um acidente de carro numa estrada da Califórnia e sua voz se calou para sempre. Sua morte chocou o mundo! Pete Townshend disse sobre ele: “Eu o considerava um gênio e quando ele morreu eu perdi um grande amigo. O universo musical se tornou muito melhor depois de sua passagem por aqui”. David Crosby: “Eu sinto saudades dele todos os dias”. E Steve Vai: “Eu levei uma porrada quando o ouvi pela primeira vez. Jamais
esquecerei muitos dos momentos de nossa convivência. Se o que dizem sobre reencarnação é verdade, na próxima eu quero estar numa banda junto com ele!”.
Se você quiser ter uma noção do que estou dizendo, procure um álbum intitulado "Aerial Boundaries", que em minha humilde opinião não é exagero chamá-lo de o maior albúm de violão-solo já gravado. Hammer-ons em acordes, afinações customizadas e tapping/slap na escala dão a sensação de que há vários violões tocando ao mesmo tempo.
foi uma grande violonista sem dúvida, musica com alma. deixou saudades
ResponderExcluirFazia 10 anos que não ouvia e ouvir agora me fez ver uma nova música em cada composição, dada sua versatilidade e criatividade..
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